Olá gente, este blog surge da vontade de registrar e compartilhar esse projeto de estudos em máscaras teatrais com quem tiver interesse. Portanto, a cada semana publicaremos o diário de bordo dos encontros a partir de nossas anotações e pensamentos sobre o que é disparado nas aulas. Esperamos que faça algum sentido para todes nós, pesquisadores das máscaras. Boa leitura.
-Jeanne e Sid.
3ª semana - 28 e 29/08/2021
Sid:
O terceiro e último final de semana de encontros começou com o grupo vendo as últimas cenas dos exercícios que foram feitos por cada participante em casa, antes do encontro. Ao compartilhar esses exercícios entre o grupo podemos ver o que funcionou durante a improvisação, pela reação de quem assistia.
Abaixo segue vídeo de exercício de improvisação feito por mim e Persephone:
Analisando esse vídeo e outras improvisações do curso podemos notar alguns dos princípios da máscara começando a aparecer funcionando em cena. Vemos essas máscaras se relacionando entre si, com o ambiente e com os objetos que descobrem nesse espaço. Começamos a perceber o quanto a pontuação das ações, com a triangulação ou até mesmo uma reação da máscara para si mesma, contribui para que o público embarque junto no fluxo de pensamento e ações que acontecem com a máscara. Um jogo mais pontuado, é um jogo mais “limpo”, mais organizado, mais econômico onde o público se sente convocado a fazer parte, enquanto um jogo sem pontuação é um jogo em que não há fluxo de uma coisa para a outra. Tudo é igual e tem o mesmo valor para a máscara, nivelando todas as reações.
Foi proposto que fizéssemos improvisações por famílias de máscaras, onde cada máscara representaria uma faixa etária, passando pela criança, adulto e idoso. A ideia era ver a mesma máscara jogando com diferentes possibilidades expressivas inerentes a sua idade. Cada máscara se relacionaria em seu espaço com sua caixa com objetos e a turma, juntamente com Claudia, iam conduzindo o exercício com direcionamentos e comentários a fim de estimular o jogo. Foi uma experiência interessante. Eu joguei com a energia do idoso e tentei propor uma movimentação mais lenta para a máscara. Confesso que às vezes tantas vocês contribuindo e comentando mais me atrapalhavam do que ajudavam, porque chamavam a atenção para outras coisas e tiravam meu foco do que eu estava fazendo. Mas essa característica de ser muito aéreo é presente na minha vida.
Outra coisa que percebi que para mim não funciona é usar o espelho enquanto estou no processo de criação e construção do corpo da máscara. Percebo que sim, há que existir um olhar externo que auxilie quem esteja debaixo da máscara no processo de construção do corpo e gestos, mas o espelho é uma ferramenta que permite que o ator e atriz se olhem externamente, porém a voz do julgamento e da autocrítica assume um papel muito maior do que deveria nesse caminho. Percebi que eu e muitos colegas ficávamos presos com a máscara olhando nosso reflexo na tela e isso impedia com que a máscara se relacionasse de verdade com o que estava a seu entorno e isso esvaziava todo o jogo que estava sendo feito. Nos meus estudos me dei conta que este ponto é bastante controverso entre pesquisadores da máscara justamente por perceberem que essa relação pode ser danosa para muitos manipuladores, enquanto há algumas pessoas que utilizam o espelho e estão satisfeitas com sua presença em seus trabalhos. É importante que cada um descubra o que faz sentido pra si, pois se funciona em cena, todo o caminho é válido.
O último dia de curso de larvárias iniciou com o grupo assistindo os últimos vídeos dos exercícios em dupla e individuais que faltavam. Repetimos um exercício que tínhamos realizado no segundo final de semana chamado Os 7 níveis de tensão de Lecoq para rememorá-los. Fazer esse exercício pela primeira vez e repeti-lo agora são momentos muito importantes onde considero que algumas chaves viraram para mim no entendimento do conceito de “paisagem em mim” que Tiche trouxe no primeiro módulo. Como esses estados de tensão agem sobre o meu corpo e minha musculatura e tudo que eu “vejo” e que está acontecendo comigo é transmitido para o meu corpo, saindo da lógica da ilustração. É um exercício em que há que existir um nível de entrega e de concentração para se chegar a estágios mais profundos de cada nível.
Realizamos também nesse final de semana um exercício que Claudia chamou de “cadeira quente”, que consistia em as máscaras entrarem em cena e através de comentários a improvisação começava a acontecer. Iam sempre duas máscaras por vez, cada uma em seu espaço com suas coisas, mas que através da condução da Claudia e dos colegas criavam a ilusão de que estavam contracenando no mesmo espaço. Foi muito louco ver essa cena “contracenada” funcionando aos nossos olhos como público.
Essas improvisações foram nossos últimos momentos experimentando a máscara e foram super importantes para que sentíssemos e nos apropriássemos dos princípios compartilhados com a gente no curso.
Falamos também do uso da técnica como ferramenta para potencializar o jogo espontâneo da máscara e não algo que nos prenda e nos cristalize em uma forma de fazer.
Persephone:
Dia 28:
De semana passada a essa, Cláudia nos pediu que pudéssemos gravar a si mesmes treinando a cena da caixa de estímulos. Eu e Sid tivemos um cotratempo e só pudemos mostrar a cena no dia seguinte, mas está registrada acima, no diário do Sid. Como o teatro de máscara é uma escola para o olhar, sinto necessidade de registrar alguns comentários técnicos ditos pelo grupo ao vermos nossas cenas:
O corpo que desenha complementa a máscara;
As reações precisam de calma;
A máscara precisa se relacionar de verdade, por um bom tempo com o que ela interage;
Pausas valorizam as ações;
É necessário descobrir o horizonte de olhar da máscara;
Afastar o objeto da máscara o valoriza;
A calma e a economia é muito bem-vinda, não é necessário ter muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo;
Para limitações de escultura da máscara, estratégias de angulação têm de ser criadas para que ela não se desconecte da plateia;
Ao entrar em cena, não fazer banalmente, realizar um "ataque";
Uma referência de atuação com larvária que gostaria de deixar registrada:
Fizemos o exercício das caixas em solo, ao mesmo tempo que outras máscaras da mesma família, só que com idades diferente. Me diverti muito utilizando minha máscara como criança, uma vez que antes eu apenas havia a experimentado como adulta. Era um pressuposto que criei e que foi quebrado, que ela seria sempre adulta. Olhando em retrospecto, este dia eu estava inspirada.
Logo falamos sobre foi a dificuldade dessa investigação utilizando câmera/espelho. Buscamos demais uma resposta de fora, nos fechando ao real acontecimento. Isso é um aprendizado para o futuro: existe uma dupla visão no teatro de máscaras, o de dentro e o de fora. O LEMVI virtual tem essa dificuldade, precisamos muito nos preocupar com o que aparece para a câmera e pouco conseguimos vivenciar de fato as cenas.
Perto do final do dia 28, fizemos um exercício interessantíssimo, que me lembra um dos primeiros que fiz com máscaras. Eu conheci o exercício como "entrevista", onde as meias-máscaras se punham a executar tudo o que a condução colocava em questão. Normalmente isso partia de uma situação de entrevista de emprego, mas tinha milhões de possibilidades. Com Cláudia, fizemos a "cadeira quente" que, similarmente, consistia em responder à condução com ação. É um facilitador de construção de cena: a condução vem com uma proposta inicial e as máscaras, por suas ações constroem dramaturgias condizentes com seus caráteres. Situações foram propostas como: uma sala de espera de dentista, uma festa surpresa...
Dia 29:
No dia 29, finalmente mostramos nossa cena. As perucas e chapéus ajudaram muito, achei que estávamos muito bem em cena, mas de vez em quando não sabíamos o que fazer. Isso é normal e pode ser resolvido pós-improviso. Eu não pontuei muito as partes importantes da cena.
Dançamos, revimos os níveis de tensão do corpo lecoqiano.
Fiz o exercício da cadeira quente no último dia. Lembro que minha máscara não encaixava direito de jeito nenhum neste dia e acho que estava distraída, pois o jogo não funcionou muito bem. Fui atriz ameba *risos*. Os movimentos estavam fluidos demais, sem pontuação. Foi me dito que demais me preocupo em mostrar coisas, ao invés de vivenciar, é um dificuldade que precisa ser encarada.
...
Conclusão: Penso que ando por um bom caminho, mas é preciso aperfeiçoar. Amo a energia caótica da larvária e acho que me dou bem com isso, mas um pouco mais de calma seria necessário para atingir resultados mais interessantes.
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