Olá! Dando continuidade ao post anterior, aqui registramos e compartilhamos esse projeto de estudos em máscaras teatrais com quem tiver interesse. Cada semana publicaremos o diário de bordo dos encontros a partir de nossas anotações e pensamentos sobre o que é disparado nas aulas. Esperamos que faça algum sentido para nós, pesquisadores das máscaras. Boa leitura.
-Jeanne e Sid.
2ª semana 12 e 13/06/2021
Sid Ditrix:
Durante a semana lemos o subcapítulo da tese de doutorado de Tiche, que discute a relação entre neutralidade e expressividade nas máscaras teatrais. A partir desse texto podemos entender que : “Neutro é um estado, estado de calma. É o ponto de partida do movimento que inicia uma relação com o que está ao seu redor. É neste estado neutro que um corpo torna-se presente e atento, em prontidão. Um estado que mantém um corpo material presente em relação ao mundo sem explicá-lo ou julgá-lo.” (VIANNA, Para Além da Commedia dell'Arte – A máscara e sua pedagogia, 2017, P. 64)
Um estado ‘neutro’ que prepara o corpo do ator para entrar em contato com sua possibilidade expressiva, pronto para se comprometer com o trabalho, sem manifestar nenhuma opinião ou juízo de valores sobre o que lhe acontece, mas sem deixar de reagir ao que lhe acontece, mas a máscara o faz sem demonstrar nenhum caráter específico.
Paisagem em mim. ( O corpo é ‘espelho’ daquilo que a máscara é capaz de perceber, daquilo que ela vê).
Tiche trouxe um vídeo demonstrativo para apontar alguns aspectos do nosso estudo.
Primeiro temos a instauração, quando a máscara aparece ao olho que a observa. Entendemos que todo o movimento parte da máscara. E a partir disso o resto do corpo se envolve.
Entendemos que O olho da máscara é a máscara.
O olhar da máscara se dá com o corpo.
Foco - Interesse - Ação
(dois caminhos da ação - Intensificar-se ou transformar-se)
Persephone Pepper
O que é um acontecimento?
Sério.
Pare e pense comigo... o que é... um a-con-te-ci-men-to?
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Acho que aquela velha questão "Se a árvore cai e ninguém vê, ela caiu?" é conveniente agora.
Na corrente de pensamento deleuziana (pelo que entendo hoje), o ACONTECIMENTO tem a ver com QUEM e COMO se experiencia uma experiência. [Deixo explícito que não sou estudiosa da filosofia e comecei a ouvir falar, perguntar sobre, ler e ver vídeos de comentadores de Deleuze em 2020, através de minha querida amiga Giovanna Bittencourt e em aulas onde fui aluna especial do Mestrado em Teatro da Udesc.] No mesmo subcapítulo citado no texto de Sid, Tiche Vianna evidencia o conceito de acontecimento para Deleuze:
“O acontecimento não é o que acontece (acidente), ele é no que acontece, o puro expresso que nos dá sinal e nos espera. Segundo as três determinações precedentes, ele é o que deve ser compreendido, o que deve ser querido, o que deve ser representado no que acontece”. (VIANNA apud DELEUZE, Lógica do Sentido, 1974, p. 152)
Você não precisa entender tudo. Filosofia é difícil, eu sei. Mas eu me aproximo do assunto na simples inversão de perspectiva que Deleuze propõe: o acontecimento não está no o que; este é apenas notícia, um acidente. É material demais. A árvore caiu sim, é físico, mas isso não serve pra filosofia contemporânea. Seria chato demais se fosse simples assim. O acontecimento, portanto, está no sujeito ONDE há o acontecimento. Deem licença, que vou tentar metaforizar:
Sua mente é um palco. Nesse lugar sempre há coisas acontecendo, partículas vibrando, insetos andando pra lá e pra cá, um passarinho que resolveu fazer um ninho na calha... A sua respiração está acontecendo. Mas o Acontecimento é o que você vê, como espectador da ação deste palco. Isso significa que tem a ver com a visão apenas? Não, com a visão também! Todas as nossas capacidades sensórias estão envolvidas. E o Acontecimento não é apenas o que você percepe no palco e racionaliza. O acontecimento é a cena que te arrebata, ou te envolve, ou te faz rir descontroladamente. O acontecimento se dá na sua realidade subjetiva por causa do espectador que você é, sua bagagem e seu estado de abertura para receber este acontecimento.
O acontecimento no teatro está muito ligado a duas formas de compreendê-lo. [Aqui vão conjecturas pessoais] O acontecimento, para um teatro baseado em ficção, pode ser apenas aquilo que causa uma mudança na cena. Por exemplo, a morte inesperada de uma personagem é um acontecimento. Mas nos estudos da presença, o acontecimento está no ato, na relação, na permeabilidade, na porosidade. Se atores executam a cena da morte como uma tarefa, como coreografia, como algo simplesmente técnico, a morte foi um Acontecimento? Vale pensar sobre isso. Acho que chega sobre isso por enquanto, preciso estudar mais antes.
Abro o texto falando sobre acontecimento porque, além de ser uma dúvida teórica sobre que trouxe no dia 12 para a aula, mas também porque é algo para o qual penso que eu deveria direcionar minha intenção quando estou em cena. Acho que posso ser uma "atriz-tarefeira", que é um nome que meu professor E. Okamoto dizia na minha graduação pra falar da execução sem relação. Mas ao mesmo tempo, eu sei que eu já senti diversas vezes Acontecimentos em mim e na plateia em diversas vezes durante a minha trajetória. E eu sei que é completamente diferente quando ACONTECE e quando não. É um ponto possível para basear toda uma pedagogia teatral. E é necessário falar sobre isso quando vivemos um mundo tão ansioso. A ansiedade nos impede as reações genuínas, estar no presente, aqui e agora. Eu estou presente aqui e agora enquanto escrevo esse texto no dia 23/06 às 17:59, mas por que é tão difícil manter a calma e a presença em cena? Eu tenho medo de exposição às vezes, a menos que saia tudo dentro do controle e eu acho que isso não é algo só meu.
Quando se trata de máscara neutra, a calma e o acontecimento são privilegiados. A ansiedade não contribui em nada com trabalho pedagógico relativo a esse instrumento. Se eu faço tudo ao mesmo tempo, penso tudo ao mesmo tempo, me preocupando com resultados, nada acontecerá de fato. Acho que a máscara neutra é algo que vai ser um desafio pra mim por um bom tempo... Com ela, somos acontecimento antes de tudo. Como não somos ninguém, somos tudo: tudo que permitimo-nos ser. A paisagem entra em mim. A PAISAGEM... EM MIM.
Pare. Olhe ao seu redor como se visse tudo pela primeira vez. Permita o seu corpo ser um espelho (não uma imitação), talvez um prisma, do que ele está experienciando. Esse é o estado de neutralidade.
No segundo final de semana falamos de foco, interesse e ação. Estes são códigos, talvez matrizes corporais, que traduzem o Acontecimento da máscara. Esse prisma, ainda é um ser humano e interage com o mundo como tal. Portanto para dar materialidade ao invisível com esta máscara, precisamos mais do que apenas mímica. A mímica é o de menos. O que importa é a presença dentro do código. A máscara focaliza mirando o nariz para o que vê. PERCEBER a coisa é o Acontecimento da vez. A máscara se interessa de forma específica (não a um caráter, mas ao que a coisa provoca no corpo). Com o corpo todo, a coisa acontece dentro de mim. A máscara age, dando sentido à interação. O Acontecimento como ação física se consuma.
O interesse sempre se transforma ou intensifica. Quatro códigos, que podem se combinados livremente, foram passados a nós por Tiche. As sensações físicas, os vetores dos músculos podem ir para cima, baixo, dentro e fora. Quase todas as sensações físicas podem ser traduzidas a partir de uma combinação dessas quatro. Leveza, peso, contração e expansão.
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Tente.
De pé ou sentade, leve seus músculos nas quatro direções e brinque de se interessar por objetos imaginários a partir dessas quatro qualidades vetoriais.
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Claro que também pode-se ir para frente e para trás, normalmente significando interesse maior e repulsa.
É preciso de muita calma em cena para que o foco, interesse e ação da máscara neutra deem a leitura intencionada para quem assiste. Então, de novo, dizendo até para mim mesma: calma. Uma coisa de cada vez. Uma parte do corpo [também] de cada vez.
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